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FALAR CURA?

Atualizado: 19 de mai.


A fala e os fundamentos do tratamento psicanalítico
A fala e os fundamentos do tratamento psicanalítico

Alguns pacientes me perguntam ao chegar ao consultório se a terapia é mesmo importante para encaminhar seus problemas, já que têm amigos com quem podem conversar. Costumo responder que por mais que o tratamento psicanalítico se dê por meio da fala ele não se resume a uma conversa ou desabafo, pois aqui o que buscamos não é exatamente confortar ou apaziguar a angústia do sujeito como faria um colega, mas sim convidá-lo a subjetivar esta angústia e encontrar novos destinos para ela, o que requer um trabalho sofisticado de elaboração. E custoso, pois se reposicionar diante de um conflito construído ao longo de uma vida não é tarefa simples, muito menos rápida, e infelizmente não é algo que se resolva numa conversa entre amigos. Afinal, são pelo menos 5 anos de graduação em psicologia e sabe-se lá mais quantos anos de formação em psicanálise (uma formação que a rigor não termina) - tantos anos de estudo e trabalho para poder conduzir tal processo não poderiam ser em vão. A tarefa é complexa.​


Talvez essa pergunta venha no lugar de uma outra. “Então quer dizer que falar cura?” - alguns me perguntam, perplexos com a ideia de que vão tratar suas crises de pânico, suas dores no corpo, sua insônia ou depressão “falando”.


É importante ressaltar que o uso que se faz da fala no tratamento psicanalítico tem um estatuto diferente daquele que acontece em nossa vida cotidiana, pois ali o outro para quem o paciente encaminha suas questões não está numa posição qualquer, de um amigo, colega ou familiar. A ideia é que numa análise o interlocutor do paciente seja de alguma forma seu próprio inconsciente, e ao analista caberia a função de ajudar o sujeito a escutá-lo.


O inconsciente pode ser entendido como aquilo de desconhecido que fala em nós e que muitas vezes nos causa espanto. Isso acontece, por exemplo, quando queremos dizer uma coisa e acabamos dizendo outra que surpreende, trazendo alguma verdade até então ignorada. Os sintomas, por mais que não digam nada para o sujeito, também são expressões desta ordem e também guardam alguma verdade sobre as dores e os desejos de cada um, com a diferença de serem “mensagens” muito mais complexas e que por isso requerem um trabalho muito mais elaborado para serem lidas e reconhecidas - coisa que se busca em uma análise. Vale lembrar que os sintomas de que falamos aqui não se resumem a disfunções orgânicas que não apresentam causa fisiológica como alguns casos de problemas de estômago, dores de cabeça, dores musculares etc. Também falamos de sintoma em um sentido mais amplo e subjetivo, que pode aparecer naqueles que encontram sempre as mesmas dificuldades na vida amorosa, nos relacionamentos ou no trabalho e que, apesar dos esforços, não conseguem resolver, ou nos casos em que o sujeito não consegue ascender na vida porque existe algo dentro dele que o impede de chegar lá.


Temos também outra forma de apresentação cada vez mais comum na clínica: são os casos em que prevalece a ansiedade e a angústia, onde as crises de pânico também se incluem. Nestes casos buscamos tratar a causa da ansiedade/angústia, que geralmente está relacionada a algum ponto traumático da história do sujeito. Para tal, é preciso ajudá-lo a construir os recursos necessários para atravessar essa angústia e caminhar em direção àquilo que o movimenta, até que encontre um novo lugar para si, deixando a ansiedade para trás. Esse também não é um trabalho simples e requer algum tempo para ser efetuado.


Vemos assim que não é bem a fala em si que cura, mas o trabalho de elaboração feito pelo paciente em análise - um trabalho muito peculiar que se opera em torno de um desconhecido que fala em nós. Ao longo desse percurso as coordenadas dos traumas que marcaram o sujeito e seu desejo vão se traçando, abrindo caminho para novas maneiras de conduzir a vida.

 
 
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