top of page

PSICANÁLISE E SONHO


O sonho como encontro único com aquilo de mais íntimo e verdadeiro em nós

Em 1900, Freud escreve o texto que será considerado a obra inaugural da psicanálise, intitulado “A Interpretação dos sonhos”. Nele o autor apresenta sua famosa tese de que o sonho seria a via régia para o inconsciente, resultado de um complexo trabalho do aparelho psíquico através do qual um desejo inconsciente - sempre singular, engendrado conforme a história de cada um - se realiza.


Duas décadas depois, entretanto, tal entendimento é abalado a partir do encontro do pai da psicanálise com as neuroses traumáticas, no pós primeira guerra mundial. Freud constata que nestes quadros os pacientes (traumatizados pelas experiências da guerra) reviviam repetidamente em sonho a experiência traumática que deu origem ao adoecimento psíquico, de maneira que não haveria aqui realização de desejo em nenhuma instância, pelo contrário. O sonho não serviria então apenas ao propósito de realizar um desejo inconsciente.

Freud conclui assim que o aparelho psíquico não se orienta exclusivamente pela busca do prazer, mas que há algo em seu interior que pode perturbar drasticamente seu funcionamento - aquilo que localiza na experiência do trauma, ponto que o aparelho psíquico não consegue processar e que por isso insiste em retornar - como ocorre nos sonhos traumáticos de seus pacientes de guerra, mas também em outras modalidades de adoecimento psíquico sob a forma de sintomas, ansiedade, nas repetições e nos sonhos traumáticos em geral.

Lacan vai retomar esta formulação colocada por Freud e dar novo contorno à questão ao analisar a função exercida no sonho pelo despertar. Quem nunca teve um sonho do qual acordou sobressaltado que atire a primeira pedra. Tais sonhos muitas vezes despertam em nós perplexidade por sua capacidade peculiar de nos colocar defronte a uma realidade ao mesmo tempo tão estranha e assustadora quanto íntima e familiar, revelando algo de real e profundo sobre nós. Não é à toa que despertamos.

Este encontro único e fugidio com uma realidade “outra” tão reveladora quanto desconhecida que o sonho dá acesso é justamente aquilo que, no meu entendimento, orienta a clínica psicanalítica, nos trazendo notícias daquele ponto nevrálgico para cada um que ao mesmo tempo em que traumatiza abre para a dimensão do desejo.

Em seu livro “Matemas I”, o psicanalista Jacques Alain Miller afirma que “o inconsciente implica que não sonhamos somente quando se está dormindo”, de modo que o funcionamento do inconsciente seria propenso ao adormecimento.

Às vezes, acordamos para continuar dormindo. E fazemos análise para que possamos, a cada vez, despertar.


Clique aqui e fale conosco

Link Whatsapp
bottom of page